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Sobre partidas, cinema e o assombro literário
Por Olga de Mello*
Embora não fosse conhecida como escritora, a atriz Carrie Fischer escreveu livros e roteiros e morreu, no finzinho de 2016, ao retornar da turnê de sua mais recente autobiografia, Memórias da Princesa (Best-Seller, R$ 34,90), em que contava o caso que teve com Harrison Ford, na filmagem de Guerra nas Estrelas. Carrie, que encarnou a icônica Princesa Leia, uma guerreira, líder de rebelião, era um ídolo pop com quase a mesma relevância que sua mãe, Debbie Reynolds, uma talentosa show woman, a mocinha do clássico Cantando na Chuva, que não resistiu à perda da filha, falecendo no dia seguinte e consternando o mundo inteiro.
Mal a gente enxuga as lágrimas e puxa de novo o lenço. O argentino Ricardo Piglia, que acaba de deixar o planeta nesta primeira semana de janeiro, via no cinema uma forma de narrativa importante para refletir a vida. Os cineastas da Argentina, acreditava ele, estavam conseguindo captar melhor as contradições da realidade imediata do que a literatura. Em 2006, esta foi uma das declarações que ele me deu em entrevista, para o jornal Valor Econômico, quando Piglia discorreu sobre a sinergia entre autobiografia, ensaio e história como um caminho para a literatura contemporânea.
Cinco anos antes, o cineasta Marcelo Piñeyro adaptara o cultuadíssimo Dinheiro Queimado (Companhia das Letras, R$ 42,90), de Piglia, para o cinema. O filme foi tão reverenciado quanto o romance, que teve como base o cerco da polícia argentina aos assaltantes de um banco em Buenos Aires, em 1965. No entanto, a ficção sempre superava a realidade na história. “Quase tudo ali foi inventado, apenas as características dos personagens e a trama eram reais”, me disse Piglia na entrevista, quando apontou Silvia Molloy e Alan Pauls como alguns dos mais relevantes autores argentinos contemporâneos, salpicando elogios para o brasileiro Silviano Santiago, o espanhol Enrique Villa-Matas e os americanos Phillip Roth e Don DeLillo.
Professor de literatura em Princeton, Ricardo Piglia, como quase todos os escritores argentinos da atualidade, tinha na a vida política e econômica do país um dos temas que percorriam suas histórias. Apaixonado por literatura clássica, gostava de reler Moby Dick (Cosac Naify, R$ 74,90), de Herman Melville, que lhe provocava “assombro” a cada leitura. Piglia acredita que a literatura conseguia se aproximar melhor do mundo real no gênero policial, que permite captar perfeitamente o funcionamento das engrenagens sociais, juntando as relações entre poder, política e crimes, entre esses a corrupção. Para reverenciar o universo de reflexões e recriações artísticas da dura vida real, nada melhor do que começar o ano e aproveitar as férias de verão lendo não só a obra de Ricardo Piglia, como também seus autores preferidos ao longo de janeiro, enquanto esta coluna entra em breve recesso. Até fevereiro!!!