O que ler, o que saber, onde guardar

13 de setembro de 2014

Acaba de ser comemorado o 186º aniversário de nascimento de Tolstoi e continuo sem ter lido Anna Karenina. Só a desfaçatez me permite afirmar que enfrentei o calhamaço de Guerra e Paz. A verdade é que pulei a guerra inteira e me concentrei no amor de Pierre por Natasha, só lendo o que dizia respeito a um dos dois. Eu me redimi com Tolstoi através de A morte de Ivan Ilicht e de outras pequenas novelas. Mas sei que, com Guerra e Paz, antecipei uma leitura que não deveria ser entregue a olhos, corações e mentes infanto-juvenis.

EmBuscaDoTempoPerdido6Para evitar novos erros, muito cedo decidi que só leria Em busca do tempo perdido depois da aposentadoria.  Proust é lindo, mas vamos deixar para quando eu conseguir captar tudo o que ele pode me trazer de bom. Claro que conheço algumas de suas histórias, e não resisti a ler o último volume da adaptação em quadrinhos de Stéphane Heuet – O caminho de Swan: Nomes de lugares (Zahar, R$ 49,90) -, uma coleção destinada a interessar o público pela obra, mantendo trechos do impressionante texto original. Descubro que praticamente cada frase de Proust merece reflexão. “Sentia-se que o Bois não era apenas um bosque, que ele respondia a uma destinação alheia à vida de suas árvores”. As belíssimas ilustrações talvez tenham me conquistado e começo a pensar em antecipar o momento de me enredar no universo de Proust. Aguardo como quem vai encontrar um pretendente desconhecido. Pressinto que Proust e eu firmaremos uma bela amizade.

Chegou uma estante nova em casa. Ela me aguarda, cinco prateleiras protegidas por vidro, prontas a receberem… o quê? Há pilhas e pilhas de volumes espalhados pela casa, sem que eu saiba qual destino lhes darei.

26062014175836_o-que-amar-quer-dizerNa tentativa de organizar os livros de todos os tamanhos e temas que se acumulam em diferentes cômodos, percebo, em meu quarto, que estou cercada por biografias e  memórias. Quase simultaneamente comecei a ler A Idade Viril (Cosac Naify, R$ 59), de Michel Leiris, e O que amar quer dizer (Cosac Naify, R$ 39), de Mathieu Lindon, que comprei há pouco. Recentemente, havia iniciado Alma Mahler ou a arte de ser amada (Rocco, R$ 21), de Françoise Giroud. Histórias ambientadas em épocas distintas, contadas com a exuberância típica dos franceses, valorizando experiências e encontros pela maneira apaixonada como são descritos.

Como leio todos simultaneamente, mais do que as trajetórias de cada um, estou fascinada pela forma escolhida para a narrativa. Françoise Giroud aborda a história de Alma, a mulher que colecionava maridos artistas (o compositor Mahler, o pintor Kokoschka, o arquiteto Walter Gropius e o escritor Franz Werfel), com um olhar feminino arrebatado. A musa de tantos homens pulsa em cada página. Já Leiris, um etnógrafo preocupado com a essência do ser, fala de sua juventude durante a Primeira Guerra Mundial, tratando das descobertas da infância e da adolescência com uma inocência que hoje não se encontra em relatos memorialísticos. Já Lindon também fala em sua mocidade, em amizades e na conquista do respeito perante a família, além de contar um pouco do tempo em que conviveu com Michel Foucault. É nos relacionamentos afetivos que ele descobre o quanto os amigos são importantes para a formação pessoal de cada um.

ronniePor último, abro a contida, embora escrita com a clara intenção de comover o público, biografia Ronnie Von – o príncipe que podia ser rei (Planeta, R$  34,90). A bem-sucedida carreira do astro da Jovem Guarda, nos anos 1960, é contada pelos jornalistas Antonio Guerreiro e Luiz Cesar Pimentel, que revelam aspectos desconhecidos da vida do cantor, como seu engajamento político com a esquerda na época da ditadura.  A tentativa de aproximar o personagem do leitor chega a ser invasiva. Particularidades, entre elas a comemoração da família pela primeira menstruação da filha do artista, são descritas com elegância suficiente para criarem cumplicidade com os leitores, um artifício bem explorado pelos autores, admiradores confessos de Ronnie Von.

Sobre Olga

Para alguns, existem deuses e religiões; minha devoção se dirige à literatura. Assim surgiu este blog, um dos milhões que nascem a cada segundo no planeta. Sem pretensões, só para compartilhar um dos prazeres solitários mais subversivos e incompreendidos de que dispomos.
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